terça-feira, 17 de junho de 2014

Sapatos.

Não sou boa em dar presentes. Minto. Sou boa em dar presentes para pessoas boas de dar presentes. Explico. A arte de presentear é muito mais complexa do que escolher aquilo que você acha que a outra pessoa irá gostar. Acredito que envolve muito mais do que os vetores agradabilidade/utilidade. Presente bom é presente que leva mensagem, por mais tola que seja. O grande problema é: nem todos ligam para mensagens. Os motivos para isso podem ser dos mais diversos. E, logo, não sou boa em dar presentes para esse tipo de pessoa. Na verdade, não sou boa em qualquer aspecto para esse tipo de pessoa. 

Presenteio com sapatos. 

E os sapatos acabam machucando os pés. 

Nada mais que um reflexo físico da minha insistência. 


segunda-feira, 22 de julho de 2013

Palavras erradas.

Nada mais adequado que, alguns anos depois, me deparar com uma das minhas citações favoritas e que há tempos estava esquecida. E, além desse óbvio prazer, perceber o quanto ela ainda se encaixa na minha vida:


Não consigo me expressar bem - afirmou Naoko. - E tem sido sempre assim nos últimos tempos. Tento dizer alguma coisa, mas só me ocorrem as palavras erradas. Palavras erradas ou opostas ao que quero dizer. E quando eu tento corrigir o que disse, cometo erros, as coisas ficam mais confusas, e acabo então sem saber mais o que pretendia dizer no início. Sinto como se meu corpo se repartisse em dois, com as duas metades brincando de pega-pega. Bem no meio existe um poste bem grosso, ao redor do qual elas não param de dar voltas se perseguindo. Nunca consigo alcançar a outra metade de mim que sempre tem a palavra certa.
(Haruki Murakami, Norwegian Wood)

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Memória

Lembro que tenho um blog. Abro uma nova aba no Chrome. Digito o nome do blog. Entro. Choco-me com o tanto de tempo que não posto nada. Automaticamente penso "e daí, quem liga?". E tão automaticamente quanto o ato anterior, desisto. Simples. Quatro ou cinco vezes nesse ano, eu alterei o quinto passo dessa jornada e tentei escrever alguma coisa. Resultado: quatro ou cinco rascunhos de um parágrafo - ou um pouco mais - boiando por aí. E não lembro porque escrevi aquelas letras perdidas.

Eu comecei a usar o burnnote. Útil até, achar que suas conversas não serão lidas por ninguém, além, claro, do único destinatário. Mas durante a conversa sofri com um problema. Para quem não conhece, o burnnote apaga suas mensagens poucos segundos depois que foram enviadas. Resultado: não foi raro eu esquecer, logo depois, em que ponto estava a conversa. Reservei-o ao sexting.

Tudo isso, então, me deixou preocupada. Será que estou com problemas de memória? Eu realmente tenho medo de coisas desse tipo. Uma vez cochilei durante uma conversa e após acordar no meio da madrugada eu não me lembrava de absolutamente nada que falei. Nada mesmo. Fiquei desesperada. Não dormi com medo de esquecer, de perder toda minha memória.

Agora, por exemplo, não me lembro sinceramente porque comecei a escrever isso aqui. Por isso, eu comumente desisto de escrever alguma coisa. Sempre perco o fio da meada na metade do caminho. É incongruente começar o texto com um "lembro" e terminar com um "esqueci"? Nada posso fazer, eu realmente esqueci.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Manic Pixie Dream Girl

Um cara fodido. A razão (algum parente morreu, é um nerd excluído, entrou uma farpa no dedo do pé) realmente não importa. O que vale é estar fodido ou, ao menos, aparentar estar.  Incapaz de seguir sozinho e encarar seus próprios problemas, limita-se a demonstrar o quanto se identifica com letras do The Cure, ou qualquer banda de "cara fodido" congênere.

Até que aparece uma garota. Mas não pode ser uma simples garota. Além de bonita, ela tem que aparentar ser maluca. Uma maluca graciosa, daquelas que não são malucas de verdade, mas surpreendem o cara fodido com a realização de alguma conduta fora dos padrões. Contudo, não basta ser só bonita, maluca e graciosa - isso quase todas são - o mais importante é que a garota tem que ser uma psicóloga nata, e achar normal não receber quaisquer honorários. Seu papel se limita a salvar o cara fodido. Ela não tem outra razão para viver. Sem as pompas e glórias de super-heróis. A garota tem que trabalhar seus poderes paranormais na modéstia.

O final da história acaba sendo previsível. O cara não deixa de ser realmente fodido, mas tem uma garota para lhe lembrar que a vida é linda e ele, em favor da arte, deixa de ser fodido por breves momentos até a próxima crise existencial. Assim, tudo termina, mais uma vez, com algo malucadamente gracioso da garota que provoca a uma urgência física de tudo terminar num lindo beijo e os créditos começam a aparecer, junto de uma música bonita, dando tudo por resolvido.

Do outro lado, pegando a bolsa e saindo da sessão, a garota normal, sem graduação em psicologia, desastrada e talvez um pouco maluca, acha, em um primeiro momento, tudo lindo. O cara fodido é muito gato e, nossa, ele realmente parece amar bastante a garota, dá para ver pelos olhos dele.


"Own". 


Passados os efeitos da música açucarada dos créditos, voltando a respirar o ar de fora do cinema, a realidade aparece em formato de cem palhaços rebolativos, cada um com placas em neon lembrando cada um de seus problemas. O que estava segurando a placa "falta de dinheiro" demonstrou-se especialmente empolgado, embalado na velocidade seis do créu, enquanto a garota cogitava comprar um ovomaltine.

"Ah, vá, fodida sou eu".


terça-feira, 16 de outubro de 2012

Vida, essa tragicomédia.

 "I will someday make an optimist out of you". Disse meu namorado ontem. Em inglês mesmo, mania dele. Deu a  entender que eu sou uma pessimista crônica e nunca fui otimista um dia, o que é - apenas em parte - uma inverdade. Talvez nos cinco anos em que, até agora, ele conviveu comigo, eu, realmente, tenha derramado água do copo só para ver ele ainda mais vazio. Mas eu já fui muito otimista, ao ponto de ser constantemente xingada por esse comportamento.

Algo aconteceu. E, sinceramente, não consigo definir ao certo o que fora. Talvez a faculdade, talvez a idade, talvez o fato da indústria fonográfica ter dado espaço para tanta banda ruim. Não sei. Só sei que há quase uma década eu me identifico muito mais com os Woody Allens e congêneres que com Madres Teresa de Calcutá.

Tanto, que retirando pontos específicos sobre a velhice, o fato de produzir milhões de filmes e ser um cara incrível, a entrevista do diretor-ator ao The Talks poderia ter sido feita comigo e eu daria, sem brilhantismo,  as mesmas perspectivas sobre a vida.

Então, segue uns trechos do Woody jogando a real na sua cara, sem dó nem piedade:

 I have a very grim, pessimistic view of it. (...) I do feel that’s it’s a grim, painful, nightmarish, meaningless experience and that the only way that you can be happy is if you tell yourself some lies and deceive yourself.
But I am not the first person to say this or even the most articulate person. It was said by Nietzsche, it was said by Freud, it was said by Eugene O’Neill. One must have one’s delusions to live. If you look at life too honestly and clearly, life becomes unbearable because it’s a pretty grim enterprise, you will admit.
Woddy, inclusive, bem sabe que o maior problema da vida não são as guerras, fome, bomba atômica, mas sim o maldito cotidiano #whitepeopleproblems.
 Checking in at an airport or at hotel, handling my relationships with other people, going for a walk, exchanging things in a store… I’ve been working on the same Olympus Typewriter since I was sixteen – and it still looks like new. All of my films were written on that typewriter, but until recently I couldn’t even change the color ribbon myself. There were times when I would invite people over to dinner just so they would change the ribbon. It’s a tragedy.
E enterra de vez essa coisa hollywoodiana de que envelhecer é um lindo processo. Na verdade, é a maior merda mesmo.
 There is no advantage getting older. You don’t get smarter, you don’t get wiser, you don’t get more mellow, you don’t get more kindly, nothing good happens. Your back hurts more, you get more indigestion, your eyesight isn’t as good, you need a hearing aid. It’s a bad business getting old and I would advise you not to do it if you can avoid it. It doesn’t have a romantic quality.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

TV FAMA.

Não sou a maior fã dos assuntos polêmicos. Ponto. O motivo é simples: eles são polêmicos. Com eles e deles pessoas discordam, ficam irritadas, proclamam guerras. A situação piora quando eu, por puro desleixo, lembro que sou formada em direito. Eu deveria amar assuntos polêmicos. Dormir de conchinha com assuntos polêmicos. Mas não deu, literalmente. Do meu irrelevante ponto de vista, o mundo seria muito mais simples se todos contentassem-se em concordar com apenas uma coisa: o fato de que discordamos da opinião de (quase) todos o tempo inteiro. Mas, nãonãonão, somos muito teimosos para admitir que, talvez, a outra pessoa até tenha argumentos convincentes. Go to hell with your "give peace a chance", we all want to fucking win, irão querer dizer nas entrelinhas.

Feita essa diretiva e deprimente introdução, chegarei no que realmente, e surpreendentemente, e hipocritamente de minha parte, quero falar nesse post. Aborto. O top 3 dos assuntos mais polêmicos da história humana, seguido, em apertada competição, por religião e política (que, como todos estamos cansados de saber, são as duas coisinhas que mais complicam a discussão sobre o próprio aborto).

Tudo isso porque, empolgada assistindo The Newsroom, parei de ir seca na seção "books & fiction" da New Yorker e comecei a ler artigos da área da política americana. Foi o momento em que me deparei com o texto "Of Babies and Beans: Paul Ryan on abortion", do Adam Gopnik. O artigo faz uma cobertura do debate entre os candidatos a Vice Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden e Paul Ryan, dedicando-se, principalmente a fazer uma análise crítica aos comentários que o vice de Mitt Romney nos fez o desfavor de apresentar ao mundo.

Não querendo tomar partido de qualquer um dos pólos da política americana (Will Mcavoy ficaria orgulhoso), vou me limitar a transcrever um trecho do artigo (pedindo que vocês desconsiderem as críticas ao Paul Ryan) que conseguiu resumir, em poucas linhas, tudo que eu pensei até hoje sobre a polêmica, mas nunca consegui explicar tão bem:

 The fundamental condition of life is that it develops, making it tricky sometimes to say when it’s fully grown and when it isn’t, but always easy to say that there is a difference and that that difference is, well, human life itself. It is this double knowledge that impacts any grownup thinking about abortion: that it isn’t life that’s sacred—the world is full of life, much of which Paul Ryan wants to cut down and exploit and eat done medium rare. It is conscious, thinking life that counts, and where and exactly how it begins (and ends) is so complex a judgment that wise men and women, including some on the Supreme Court, have decided that it is best left, at least at its moments of maximum ambiguity, to the individual conscience (and the individual conscience’s doctor). The cost of simplifying this truth is immense cruelty—cruelty to the bean when, truly developed, it becomes a frightened teen-ager who is to be compelled by law to carry her unwished-for pregnancy through with all the trauma that involves. This kind of cruelty—cruelty to real persons, killing the infidel in order to hasten him into heaven, stoning the fourteen-year-old girl in pursuit of some prophet’s view of virtue, forcing the teenager to complete her pregnancy to fulfill a middle-aged man’s moral hunches—is the kind of cruelty that our liberal founders saw with terror.

Ryan talked facilely of what “science” says in this case. But what real science has to tell us, of course, very different; it says that life has no neat on and off, that while life may in some sense begin at conception, the moment when the formed consciousness that distinguishes human life from bean life arises is a very different question, not reducible to a dogma or a simple claim. A bean isn’t a baby; a baby was once a bean, and between those two truths it is, or ought to be, every woman for herself.

What is unquestionable is that the kind of fully conscious life that everyone claims to prize already belongs to the woman who happens to be pregnant, and it should be her individual moral conscience that, in a society devoted to the individual, ought to rule. One reason we prize life is because it makes minds. And women, who have them, should be free to make up their own.

 Não há nada de novo no argumento. Existem milhões de textos defendendo os mesmo argumentos. Mas me deparei com esse resumo tão bom sobre um assunto tão complicado e resolvi dividir essa polêmica do meu jeito: copiando e colando.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Diários de uma indefinida.

Possivelmente, sinal de que não há completa certeza, ela escolheu, pressupondo que houve direito de escolha, o caminho mais complicado. 
Digo, ela nasceu, cresceu e viveu toda sua vida em um lugar onde ser medíocre é visto com ares de superioridade social. Onde o grande objetivo na vida é ter uma piscina, casa, carro maiores que o do vizinho, mesmo que tudo isso não pareça nem um pouco funcional. 
Ora, piscinas grandes são apenas mais espaço para a possibilidade de afogamento. Casas grandes significam mais espaço para o ladrão se esconder. E carros grandes, bem, são muito mais complicados para estacionar. Diga: "isso é comum no mundo inteiro". Digo: "é mesmo". Mas duvido que a incidência seja tão evidente quanto em outros lugares, até mesmo os congêneres. 
Longe de qualquer visão determinista, se desenvolveu - junto a outros poucos - estranha. Ao mesmo tempo em que discorda de tudo que vê, ouve e até cheira, não consegue se desvincular e largar tudo e ir embora. Seria a consciência? A ideia de que não seria capaz de se virar sozinha, de deixar tudo de lado? Possivelmente. O cordão umbilical traz um paradoxal sentimento de quem é por ele alimentado: a satisfação da segurança e o asco da falta de liberdade.
Por não ter desenvolvido nenhum dom especial, viu-se encurralada a escolher - mesmo com certa certeza à época - um caminho bem comum. Comum, medíocre, que o seja. Pareceu fácil. E até que foi por um tempo, quando a pouca responsabilidade se fantasiava de compromisso acadêmico. Só que como a vida não é bolinho, a trilha escolhida, finalmente, começou a apresentar seus vilões, antes escondidos entre os troncos dessa floresta.
"Isso é comum no mundo inteiro", diriam. "É mesmo", digo. Mas pergunta a ela se não dói.